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Morador de Minas Gerais batalha na Justiça para garantir gratuidade de medicamento pelo SUS

6 de junho de 2017

Entre 2016 e 2015, número de pedidos na Justiça mineira aumentou em 54% apenas nas três maiores cidades do Sul de Minas.

 

A decisão do STJ de suspender os processos judiciais por medicamentos que não constam no SUS não afeta somente as mulheres com câncer de mama. Há mais de seis meses, a rotina do vigilante Ricardo Pereira Soares, de 32 anos, tem sido incerta. Na luta contra o Linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer que ataca células de defesa do organismo, um remédio cuja caixa custa em média R$ 17,5 mil é a sua mais nova esperança de sobrevida. Por meio da Justiça, ele garantiu liminarmente o fornecimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas no final de maio, o serviço chegou a ser suspenso. A história do vigilante ilustra as dificuldades enfrentadas por quem precisa de medicamentos de alto custo no país.

Em 2016, o Ministério da Saúde informou ter gasto R$ 7 bilhões nas esferas municipais, estaduais e federais com pedidos judiciais que envolviam compras de remédios de remédios de alto custo. Entre 2010 a 2015, os gastos com a chamada “judicialização dos medicamentos” aumentaram 727%. No mês de setembro, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir a obrigatoriedade de estados e União em arcar com esse tipo de demanda, o ministro da Saúde Ricardo Barros declarou que a judicialização “desestruturava” o governo federal.

Ainda em setembro, o julgamento foi suspenso pelo STF. Em meados de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que fossem suspensos em todo o país os processos com pedidos de fornecimento de remédios que não constam da lista oficial do SUS. A medida, contudo, não afetou a autonomia dos tribunais em autorizarem o custeio por meio de liminares. E foi essa brecha legal que amenizou a preocupação do mineiro Ricardo.

 

A cada 21 dias, mineiro precisaria de R$ 35 mil para medicamentos

“Quando a gente recebe a notícia, principalmente sabendo que essa poderia ser a sua última chance…”, comenta o vigilante de Pouso Alegre, sem conseguir achar as palavras exatas para traduzir o medo que sentiu quando soube da suspensão.

Ricardo descobriu que estava com câncer há dois anos e meio. A esposa, Patrícia Fontes Pereira, de 28 anos, se preparava para voltar ao mercado de trabalho, onde atuava na área de gestão financeira, depois de um período afastada para cuidar da filha. Um ano antes, Laís vinha ao mundo para alegrar ainda mais o casal. Com a doença, os planos mudaram.

“A nossa rotina mudou completamente. Ele teve que deixar o trabalho por causa do tratamento. Passou por muitas quimioterapias, tomou remédios que estão na lista do SUS e nenhum deu certo. Em agosto do ano passado, descobrimos que o medicamento teria que ser outro, o Brentuximab, que não é fornecido gratuitamente. São duas caixas a cada 21 dias- um custo de R$ 35 mil que não temos como pagar”, conta Patrícia.

Sem trabalho e com poucos recursos, a família iniciou uma batalha judicial pela vida do vigilante em outubro. A primeira vitória legal, uma tutela antecipada, só foi concedida pela Justiça em janeiro deste ano.

“Mas, mesmo assim, mesmo com a decisão, teve atraso no envio dos remédios, a gente já teve que pedir bloqueio de verba, depois foi uma correria quando houve a suspensão dos processos [pelo STJ]”, diz Patrícia. “Tivemos que providenciar a papelada para que o advogado conseguisse uma garantia para a gente, porque o tratamento, se for interrompido, perde tudo o que foi feito”, diz Patrícia.

Faz apenas uma semana que Ricardo soube que não perderia o direito conquistado. Antes disso, na tentativa de não se deixar vencer pelo desânimo, fez um apelo na internet pedindo doações para comprar o Brentuximab, caso a liminar não fosse mantida.

“A gente não gosta de pedir. Eu nunca me imaginei pedindo uma coisa dessas, mas tive que pedir. Mas as pessoas abraçaram a minha história. É uma força que dá para a gente, porque pessoas que nem o conhecem, mas querem ver você bem, incentivando”, relata Ricardo.

Na última quinta-feira (1º), o mineiro obteve novas doses do medicamento de que necessita, mas uma nova preocupação surgiu. “Ele suspeita que está com outro nódulo e vai ter que fazer mais exames. Se for nódulo mesmo, pode ser sinal que também esse tratamento não funcionou e teria que ser mudado. Talvez tenhamos que começar um processo judicial novamente”, pondera Patrícia.

 

Defensorias investem em alternativas

Nas três maiores cidades sulmineiras, Poços de Caldas (MG), Pouso Alegre e Varginha (MG), as ações na área de saúde movidas em 2016 superaram em 54% as apresentadas durante todo o ano de 2015. Nas defensorias públicas, um trabalho para conseguir acordos extrajudiciais começa a surgir.

“Na Comarca de Pouso Alegre [que abrange Pouso Alegre, Estiva, Congonhal e Senador José Bento], levamos à Justiça, por mês, quatro pedidos de custeio público de serviços de saúde. Mas isso porque buscamos acordos extrajudiciais. Se não fosse isso, o número seria muito maior”, explica o coordenador regional da defensoria, Cristiano Maia Luz.

Na cidade, o defensor conta que um apoio técnico é requisitado nessas ocasiões para descobrir se o SUS dispõe de medicamentos alternativos ao da solicitação feita por algum paciente e se a troca é autorizado pelo médico que acompanha o caso. Se a possibilidade existir, a ação é arquivada.

“Além de ser mais rápido, é mais barato, pois não onera muito o estado. O estado tem uma resistência a esses processos, por questões de distribuição de recursos, e acaba recorrendo das decisões, às vezes não cumpre o que a Justiça determina e a gente tem que entrar com bloqueio de recursos. Então, busca uma negociação é uma necessidade”, observa Luz.

Coordenador da Defensoria Pública em Varginha (que representa a cidade sede e os municípios de Carmo da Cachoeira e Monsenhor Paulo), Márcio Salgado Almeida relata que os acordos extrajudiciais se mostram a tendência mais viável nesse momento. Ele diz que uma média de 30 a 40 casos em que se solicita custeio público de remédios ou tratamentos são acompanhados por mês na unidade.

“Temos casos de todo tipo, não só ligados ao câncer, e a ação judicial é demorada. Para reduzir o número de processos, a ideia é fazer uma mediação sanitária. O projeto veio da Justiça Federal e vai ser desenvolvido junto com a defensoria e uma faculdade. Temos buscado alternativas porque judicializar a demanda onera estado e contribuinte, não resolve muitas vezes e só protela [uma solução]”, avalia Almeida.

 

 

Com informações de G1 MG, 05/06/2017

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