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E se mulheres com câncer de mama pudessem viver mais?

27 de abril de 2017

Proponho um exercício de imaginação e empatia. E se você descobrisse um câncer no estágio mais avançado, de um tipo agressivo, que se desenvolve rapidamente? E se houvesse tratamento adequado para o seu tipo de câncer, capaz de conter por alguns anos a sua evolução? E se você então constatasse que não pode usufruir desse tratamento, porque ele simplesmente não está a seu alcance?

Essa é hoje a realidade de muitas mulheres que convivem com o câncer de mama metastático HER2+, ou seja, o câncer em seu estágio mais avançado, atingindo órgãos distantes da mama, com um perfil bastante invasivo. Para essas mulheres hoje, é oferecida na rede pública de saúde apenas a quimioterapia padrão, desconsiderando avanços da medicina das últimas décadas que poderiam beneficiá-las.

A boa notícia é que agora temos uma chance, enquanto nação, de mudar esse cenário e tratar melhor as nossas pacientes. A CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), órgão ligado ao Ministério da Saúde, abriu duas consultas públicas para saber a opinião da sociedade sobre a inclusão de tratamentos para câncer de mama metastático HER2+ no sistema público de saúde. As consultas abertas versam sobre a inclusão do tratamento trastuzumabe, e sobre a inclusão do tratamento pertuzumabe para uso combinado com o trastuzumabe e a quimioterapia padrão já ofertada pelo SUS.

O trastuzumabe consta na lista da Organização Mundial da Saúde como uma das drogas essenciais para combater a doença. Esse medicamento já é inclusive ofertado pela rede pública de saúde desde 2012, porém só para casos iniciais ou localmente avançados. A inclusão desse tratamento é o mínimo esperado para que o Brasil ao menos alcance a recomendação internacional para enfrentamento do câncer. Felizmente a CONITEC apresentou relatório favorável à essa inclusão, revendo a posição anterior de não fornecê-lo a pacientes na fase metastática.

Já o pertuzumabe consiste em terapia desenvolvida especificamente para tratar o câncer mais avançado. Utilizado em combinação com o trastuzumabe e com a quimioterapia padrão, potencializa os efeitos do tratamento e amplia os benefícios às pacientes. No Brasil, esses medicamentos foram considerados bons o suficiente para serem comercializados e oferecidos na lista básica dos planos de saúde, mas nesse caso, a CONITEC posiciona-se contrária à incorporação dos tratamentos no SUS.

Estima-se que 2008 mulheres foram diagnosticadas com câncer de mama metastático HER2+ no Brasil em 2016 e que 768 delas morrerão até 2018 caso não recebam o tratamento pertuzumabe e trastuzumabe associado à quimioterapia padrão oferecida pelo SUS. Os dados são do estudo “Estimativa de Mortes Prematuras por Falta de Acesso à Terapia AntiHER2 para Câncer de Mama Avançado no Sistema Público de Saúde Brasileiro”, de 2016, do qual sou coautora.

Não à toa, o tratamento do câncer de mama metastático tipo HER2+ com trastuzumabe e pertuzumabe é considerado hoje o “padrão ouro” da oncologia. De acordo com o estudo Cleopatra, apresentado na Sociedade Europeia de Oncologia Clínica, esses medicamentos, quando utilizados de forma combinada com a quimioterapia padrão, têm o potencial de controlar a doença e promover muitos anos de sobrevida às pacientes.

A falta de acesso gratuito a tratamentos fundamentais para o controle do câncer reflete no aumento da judicialização da saúde e suas consequências negativas. A paciente, já fragilizada, sofre com a incerteza e o medo de estar colocando em jogo a preservação de sua vida enquanto aguarda, e o Estado sofre com a imprevisibilidade sobre o montante do orçamento que se destinará ao atendimento de ações judiciais e com a compra individualizada de medicamentos a custos elevados, mais altos em comparação com aquisições com valores negociados para todos que dele necessitam.

A Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA) lançou a campanha#PacientesNoControle, para estimular a participação da sociedade nas consultas públicas abertas, auxiliando nesse processo e trazendo informação. Participar das consultas públicas é uma forma de construir o país que queremos para nossos pacientes e cidadãos. As consultas permanecem abertas até o dia 2 de maio. O envolvimento de cada um pode contribuir para que mulheres com câncer de mama possam de fato viver mais. Acesse: www.femama.org/pacientenocontrole

*Maira Caleffi, presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama e Chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento

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